quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mataram-me a freguesia

Nasci num 3.º andar da Rua das Padeiras, numa Baixa repleta de vida, zona humilde de gente laboriosa, tabernas e outros estabelecimentos comerciais, meretrizes e artesãos. E ali vivi até quase aos 24.
Da janela do meu quarto olhava o mundo inteiro, a Torre lá no alto com o relógio que comandava a vida a-meias com o sino de S. Bartolomeu. Via desde a Conchada ao Governo Civil, telhados sobre telhados, o Colégio dos Órfãos imponente mesmo depois de ter ardido, a cúpula da velha Sé. E uma ou outra palmeira.

O bilhete de identidade (dos antigos, felizmente) é um dos meus tesouros. Os nomes do pai e da mãe, heróis de sempre, e a freguesia de naturalidade: S. Bartolomeu. Muito poucos (até hoje só conheci dois ou três) se podem orgulhar deste "topónimo" no documento que lhes reconhece a cidadania.
Quantas vezes afirmei, ao longo da vida, que «Sou de Coimbra, mas não sou da Sé Nova. Sou de S. Bartolomeu!». Ou S. Bartolo...nosso, como dizíamos os que lá morávamos nesses inesquecíveis anos de 60 e 70, repetindo a expressão do saudoso padre Nunes Pereira, o "meu padre", como escrevi por altura da sua morte; o nosso padre.

Agora, na dita reorganização administrativa que tem tanto de caricato como de cobardia, mataram-me a freguesia. E eu, praticamente, nem dei conta disso. Só hoje, ao entrar no "portal das Finanças", fui confrontado, olhos nos olhos, pela primeira vez, com a extinção da freguesia em que nasci. E entristeci.

Mataram a freguesia de S. Bartolomeu. Mataram um pouco de mim.


3 comentários:

  1. Concordo plenamente, embora não tenha nascido nessa freguesia, sinto tb. um pouco de nostalgia ao perceber o abandono a que tem sido submetida a baixa de Coimbra

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  2. Entendo perfeitamente a tua revolta. Comigo passa-se o mesmo quando me perguntam onde nasci e eu digo S julião da Figueira da Foz e logo me dizem isso agora já não existe.
    Também a freguesia onde eu nasci e cresci me foi roubada por politicos que se calhar nem sequer sabem onde a minha freguesia fica.

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  3. Pior, pior é que se possuir algum bem imóvel (urbano ou rústico) numa dessas freguesias o número de artigo matricial foi alterado, sem que ninguém fosse avisado. Fica o alerta. Imagine para quem muitos imóveis, como conseguirá identificar os bens?

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