segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Eleições históricas em Coimbra

I
Manuel Machado é o presidente eleito com menor percentagem de votos em relação ao número de eleitores: 17,5%. Por outras palavras: o candidato socialista vai dirigir um concelho em que 82,5% dos eleitores não votaram nele.

II
Pela primeira vez, o número dos que NÃO ESCOLHERAM (abstencionistas e votantes em branco e nulo) foi superior ao dos que escolheram.
Escolheram um candidato 58.506, não escolheram 70.554: uma diferença de 12.048 cidadãos.

Coimbra: quem escolhe e quem não escolhe ao longo de 37 anos

III
Manuel Machado e Barbosa de Melo obtiveram mais votos do que as respectivas listas para a Assembleia Municipal. Nos outros casos, foi ao contrário: CDU, Cidadãos Por Coimbra e CDS registaram melhores votações para a Assembleia. Os votos brancos e nulos também foram em número superior na eleição dos deputados municipais.




IV
Manuel Machado, o vencedor, registou aquela que será a pior das vitórias. Pela primeira vez, terá de governar o concelho em minoria. Aliás, até ontem o PS tinha governado sempre Coimbra com maioria absoluta (1976, 1982, 1989, 1993 e 1997). A situação é pois novidade absoluta para os socialistas.

V
Barbosa de Melo teve pela frente uma missão impossível, depois da ruptura da coligação com o CDS. Apesar do empenho do candidato, o resultado eleitoral ficou traçado nesse momento. A esta situação acrescem outras situações penalizadoras para o PSD: o abandono de Carlos Encarnação, pouco depois de eleito, fez perder votos aos social-democratas; a queixa contra os Cidadãos Por Coimbra, devido à utilização da expressão “Por Coimbra”, foi outro “tiro no pé”; e, finalmente, a política de alcatroamentos em vésperas das eleições também jogou contra Barbosa de Melo. A tudo isto juntou-se a conjuntura política nacional, que mostra um PSD sem rumo e a aplicar medidas de dureza extrema aos sectores mais desfavorecidos da sociedade. Foram muitos factores negativos para uma única candidatura.

VI
Só quem não conhece a “história política” de Coimbra é que pode mandar alcatroar artérias da cidade em vésperas de actos eleitorais. Com comportamentos semelhantes, o PSD perdeu as eleições de 1982 e Manuel Machado foi derrotado em 2001. O cidadão não gosta de ser tratado como “ludibriável” com obras de última hora e castiga quem o faz. Por outro lado, é minha convicção que o voto da grande maioria dos eleitores está definido muito antes da data do acto eleitoral, pelo que os “alcatroamentos de última hora” só podem ter consequências negativas. (E ao lado dos alcatroamentos podem colocar-se outro tipo de decisões semelhantes. Por exemplo, os “relógios” colocados junto de alguns semáforos transmitem uma ideia de novo-riquismo nada consentânea com a realidade de país. São úteis? De alguma forma. Valem o investimento? Claro que não.)

VII
A votação obtida pelas listas lideradas por Manuel Machado foi, sucessivamente, a seguinte:
32.143 (em 1989) - 40.014 (em 1993) - 33.950 (em 1997) - 22.512 (em 2001, quando perdeu) - 22.631 (2013).
A votação da Coligação Por Coimbra para a Câmara Municipal foi a seguinte:
38.335 (em 2001) - 31.752 (em 2005) - 29.357 (em 2009) - 18.946 (em 2013).

VIII
Grande derrotado das eleições de ontem foi o CDS, partido que nunca teve grande expressão eleitoral no concelho. O candidato centrista não terá aceite o quinto lugar na lista da Coligação Por Coimbra, preferindo concorrer sozinho. Os resultados mostram que a decisão foi errada e que o lugar proposto correspondia à expressão eleitoral dos centristas no concelho.
Luís Providência terá incorrido no erro de pensar que a sua acção na área do Desporto (meritória nuns casos, gastadora noutros) lhe garantiria a eleição. Equivocou-se. O Desporto não tem o "peso político" que os adeptos normalmente lhe atribuem.
(Três breves reflexões, a propósito... Durante anos, em Coimbra, ouvi defender a ideia de que o melhor caminho para chegar à presidência da Câmara era ser, antes, presidente da Académica. Sempre combati esta ideia. E um dia, Fernando Mendes Silva veio de alguma forma dar-me razão: ele foi presidente da Académica, mas DEPOIS de ter estado à frente da autarquia. Por outro lado, o percurso de Rui Rio no Porto também é emblemático da capacidade dos eleitores de distinguirem Política e Desporto. Finalmente, e por muito que me custe escrever isto, o futebol da Académica tem hoje expressão muito reduzida no tecido social de Coimbra. Basta atentar no número de espectadores aos jogos em Coimbra.)

IX
Opinião pessoal formada há várias semanas: a única campanha que verdadeiramente existiu foi a dos Cidadãos Por Coimbra, com a realização de múltiplas iniciativas visando o debate de ideias e o esclarecimento dos eleitores. A prejudicar o resultado eleitoral dos Cidadãos Por Coimbra esteve, creio, a "colagem" ao Bloco de Esquerda, que terá afastado eleitores da área da Direita.
As outras campanhas, de uma forma geral, limitaram-se a repetir modelos já gastos e de que os conimbricenses crescentemente se afastam. 
(Atente-se nos números da abstenção, algo que deverá preocupar em primeiro lugar os partidos políticos, eles que são - ou deveriam ser - a expressão política organizada da sociedade.)

X
Lamento: durante a campanha eleitoral completou-se um ano sobre o falecimento de Luiz Goes, a voz maior do Fado de Coimbra. Não vi nenhuma referência; se existiu, passou despercebida. No entanto, assinalaram-se outras datas com importância nula para Coimbra ou de expressão bem mais reduzida.

XI
Números...
Dois quadros que permitem várias leituras.


Percentagem dos candidatos vencedores (com fundo colorido: situações de maioria absoluta)

Coimbra: os que escolhem e os que não escolhem


18 comentários:

  1. E os resultados do CDS, que - segundo Paulo Portas - estava quase certo de eleger um vereador?

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  2. Comentário meu : ganharam os que "não escolheram". Ai que preocupados que estão os que de facto vão para o poder. Mesmo com tudo do que discordamos, é melhor que sejam poucos a escolher do que ninguém possa escolher. Aos que não escolheram só posso dizer que não se queixem.
    Uma pergunta: quanto é que custaram os "countdown" dos semáforos ? Sabes os valores ? É que isto é coisa de sítio civilizado, que dá mesmo jeito, e há TANTA coisa inútil em que se continua a gastar ! Quanto ao alcatrão, infelizmente penso que os eleitores não foram tanto pelo facto de os julgarem parvos, mas mais porque deu grandes transtornos. Verdadeiramente tudo coisas tão provincianas que Coimbra é cada vez menos tida em conta (ver o desprezo quase absoluto das TVs na noite eleitoral). Ah ! Só mais uma coisa : deve ser pq a maioria não escolhe, não quer saber, etc, que o caos junto aos HUC vai continuar (manhã de 2ª feira, chuva, e mais de 2 horas de caos e buzinão. Ali fica "apenas" o principal hospital do centro do país !

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  3. Recomendo também a análise atenta ao caso do eleitor que, embora comparecendo na mesa de voto, não conseguiu votar porque "estava dado como morto" !!!

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  4. Mário : os Cidadãos por Coimbra, para além de possíveis leituras (a questão inicial do BE ficou arredada com a adesão expressiva de gente de vários quadrantes e, de facto, distantes das actuais posturas dos partidos), tiveram o grande contra de não terem dinheiro ! O final de campanha do PSD e do PS foi demolidor em cartazes, flyers, caravanas, esferográficas, ... etc etc. Centenas de milhares de euros ! Os CPC discutiram quase tudo e em sessões abertas. Os outros já deviam saber tudo o que os munícipes pensam :)

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  5. Lembrem-me por favor qual a percentagem de votos que o Presidente cessante atingiu quando foi "eleito"!!!!

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  6. Está no penúltimo quadro. Basta consultar. ;)

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  7. Além do alcatrão, não recomendo a futuros presidentes de câmara que não coloquem cronómetros nos semáforos!!!

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  8. Boas tardes.
    Gostei do artigo no geral. Mas penso que o ponto IX é um pouco enganador (apesar de isto ser um artigo de opinião e no próprio ponto ser a opinião pessoal), visto que a CDU realizou durante toda a campanha eleitoral várias sessões de debate... Sendo as mais importantes sobre a educação e sobre a saúde.
    Era só mesmo para esclarecer isso, apesar de não pretender criar discussões na internet, visto que a campanha já acabou e agora é tempo de voltar à rua para continuar a luta (:

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  9. Nada mais verdadeiro do que o ponto IX. "Cidadãos Por Coimbra esteve, creio, a "colagem" ao Bloco de Esquerda, que terá afastado eleitores da área da Direita"
    Mas mais grave é a notícia aventada pelo Diário as Beiras, " CPC aplaude voto util e de esquerda" ! a continuarem com este tipo de ilações, não tenham grandes dúvidas que se arriscam a não ter qualquer expressão. Quem votou neste movimento, foi quem acreditou que, não havendo conotações políticas, talvez fosse um ponte de viragem. Votaram da direita, do centro, da esquerda, votaram os desagradados com todos os partidos politicos da cena coimbrã.

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  10. Concordo com o artigo no geral. Parece-me, contudo, que o ponto IX peca por defeito. "Cidadãos por Coimbra" não só terá afastado os eleitores de direita, como seguramente também afastou os eleitores do centro. Por muita boa vontade e esperança em dar o voto à hipotética mudança, não é possível dissociar o Movimento do Bloco de Esquerda. E para quem acredita que não há conotações políticas ao BE, aconselha-se a repensar nova forma de comunicar.

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  11. Gostei muito da análise. Cem por cento lucida e muito sensata. Náo não percebe quem não quer. Abraço, Parabéns. Elísio

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  12. Gostei. Análise cem por cento lúcida e muito sensata. Só não percebe quem não quer perceber. Abraço, parabens! Elisio

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  13. Gostei! Mas penso diferentemente relativamente aos semáforos com conta-segundos. Como está, é pouco: devia sugerir a paragem do motor, quando, por exemplo, o tempo fosse superior a 30 ou 40 segundos. É o que se faz na Alemanha, p. ex. Aliás, é esse o sentido do seu uso para os automóveis e não como anti-stress. É isso que eu faço sempre. E só ligo o motor quando faltam 5 segundos. Assim, sem essa sugestão, é, de facto, equivalente ao alcatroamento "de última hora".

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  14. Mário:gostei da sua análise.Parece-me que é bastante verdadeira e interessante.
    Pessoalmente não acredito minimamente em Manuel Machado para o pelouro de Coimbra.Já não pertence a este tempo.Espero que a equipa que vem com ele faça um bom trabalho, o que não será fácil.

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  15. Só para lhe transmitir o meu apreço pela objetividade da análise . Apesar de ser e se identificar um artigo de opinião , conseguiu de forma muito clara sintetizar as angústias e o "espanto" imposto por estas eleições a todos os conimbricenses. Gostaria de ressalvar que a aposto dos Cidadãos por Coimbra não se refletiu só na esquerda; muita gente descrente e saturada desta "massa" de políticos que abundam na nossa sociedade, procurou aqui um "escape" e um voto de protesto. Parabéns.

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  16. Em Democracia deve sempre haver renovação e progresso em tudo e especialmente nos eleitos !...
    Num povo com baixa participação nos actos eleitorais o voto deveria ser obrigatório ...e mais não digo.

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  17. Bom texto Mário.
    Se dúvidas havia, quando em Conferência de imprensa o BE diz que elegeu um vereador em Coimbra, elas ficaram dissipadas.

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  18. Só dois pequenos reparo no ponto VIII:
    "Grande derrotado das eleições de ontem foi o CDS, partido que nunca teve grande expressão eleitoral no concelho."

    Nas últimas legislativas, o CDS foi a terceira força mais votada com 8.680 votos em Coimbra. Nestas eleições, o CDS foi mais votado na AM do que na CM, o que prova que há eleitores que votam CDS que não acreditam em Providência, nem lhe reconhecem mérito. A falta de "expressão eleitoral do CDS" no concelho não é a responsável pela derrota, mas sim a falta de ideias, de acções positivas, de mérito do candidato centrista

    2. Concordando com a sua visão AAC/política, acho que não se aplica a LP, uma vez que quem gosta da AAC/OAF não poderia nunca votar em LP tantos foram os conflitos que gerou e que sempre fez questão de fazer publicidade.

    Quanto ao resto, muito bom.

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